Após a matéria anterior, senti-me estimulado a contininuar revirando o meu TCC da graduação: "O rádio ensina: pela educação de base governo e igreja dão-se as mãos".
Surpreendentemente me veio um "estalo" e percebi que o assunto principal dele está muito relacionado ao mesmo paradigma na educação atual. Ou seja mudou apenas a roupagem.
Figura 1
Vou tentar explicar em algumas postagens...
Ontem... em 1950.
O problema: O analfabetismo no Brasil atingia níveis alarmantes atingindo 50% da população.
A educação era privilégio de poucos, e a elite do nosso país percebeu, influenciada pelos grandes debates internacionais sobre educação, especialmente após a segunda guerra mundial, que não era possível continuar na situação em que o país se encontrava, com mais de 50% de analfabetos, isso considerando otimista o censo de 1950, haja vista as margens de erro que o censo poderia estar sujeito.
A questão da educação que sempre havia sido tratada no Brasil e América latina como algo apenas de famílias abastadas, agora, passa a ser tido como algo importante e necessário para o crescimento de uma nação, como vemos nos documentos da época.
Costuma-se até dizer que o índice de civilização de um povo se mede pela porcentagem de pessoas que sabem ler e escrever. Perfeitamente razoável esse critério, para uma estimação, em linhas gerais. E é triste de verificar quanto fica mal o Brasil, à luz da sua aplicação. 4
E na América Látina o quadro era pior ainda:
A situação educacional na América Latina é extremamente séria e se agrava à medida que se intensifica o processo de sua industrialização acelerada, que absorve fatalmente os recursos que poderiam ser utilizados para a solução de problemas de ensino público, principalmente do ensino elementar; por outro lado; o processo de industrialização não foi acompanhado até hoje por igual esforço favorável à criação de uma base sólida ou de uma base sólida ou de uma infra-estrutura, sem a qual tudo que se empreender além do ensino elementar será quase inútil.
54% da população latino-americana pertence ao grupo de menos de 20 anos, isto é, compõe-se de indivíduos que têm a necessidade de freqüentar uma escola qualquer: primária, secundária ou superior. O número de analfabetos no grupo de 15 anos e mais varia entre 15 e 20 por cento em certos países, como a Argentina, o Chile, o Uruguai e Costa Rica e atinge 80% no Haiti. Em 1950, quase 50% da população do Brasil e do México era de analfabetos, ao passo que na América Central a percentagem oscilava entre 60 e 90 por cento. 6
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Observe que o(a) colunista do jornal “a palavra”, na fonte acima, fazendo uma análise da educação no Brasil, afirma que: “a situação educacional... é séria e se agrava com a industrialização acelerada”. Eu diria: “ não é que se agrave, mas que passa a ser percebida com o processo de industrialização”, a situação educacional sempre foi grave, com reflexos em toda a sociedade, mas só “caiu a ficha” quando viram que para uma nação ser competitiva e sobreviver no mundo capitalista seria necessário educar um povo; o que ele chama de “base sólida ou de infraestrutura, sem a qual tudo que se empreender além do ensino elementar será quase inútil"
Com relação a essa preocupação com a situação brasileira, deve-se ressaltar que o Brasil nos anos 50 e início de 60, passa por grandes mudanças: a política industrializante, a internacionalização da economia, vencemos a copa de 1958, na Suécia, o povo gritava confiante que “com o brasileiro não há quem possa”, a baiana Marta Rocha quase vencera um concurso de beleza internacional, assim, a mulher brasileira se tornava uma das mais belas do planeta, por fim a inauguração de Brasília ampliou a projeção do nome do país no exterior, consolidando a auto-estima nacional.
Tudo isso teve reflexo nos hábitos, no modo de pensar e no dia-a-dia das pessoas. Cogitou-se a possibilidade de um Brasil melhor, respeitado não apenas no futebol ou na beleza, mas na economia, nas questões sociais, assim como na política.
Daí a necessidade da educação... Veja por exemplo na política, os analfabetos não votavam, só após a constituição de 1988 o voto do analfabeto passa a ser facultativo, muitos apenas aprendiam a assinar o nome para votar. Desprezar esses votos era colocar de lado mais de 50% da população.
...É, portanto, um ponto de fundamental interesse de conscientização do analfabeto, que muitas vezes aprende apenas a assinar o nome para votar em políticos inescrupulosos, porque não tem consciência do discernimento. 2
Portanto havia um clamor por uma maior participação política e para tanto se fazia necessário “conscientizar o analfabeto”, em outras palavras investir na educação.
É evidente que considerar que todos os analfabetos não têm consciência é uma afirmação muito generalizante, mas não se pode negar que a educação cria condições para transformações no indivíduo.
O indivíduo não seria engajado no processo de escolarização para aprender a ler e a escrever; mas esses elementos surgiriam como meios a serem utilizados num processo de transformação de situações próprias ao indivíduo. 3
Como podemos perceber seria grande o gasto para investir na formação de professores para alfabetizar o Brasil, sendo este um país imenso. Além do mais é evidente que num país onde a educação está em segundo plano, poucos são aqueles que se dispõe a ensinar. Então como formar tantos professores? Neste momento, a situação é tão crítica que o Arcebispo de Belém, D. Alberto Ramos, embora faça questão de mencionar a qualidade do ensino dos professores, assume o risco de defender o ensino até por pessoas apenas alfabetizadas.
O corpo professoral é insuficiente em número, quando não o é, também em qualidade. O número de escolas para formação de professores e professoras é insuficiente. Daí a necessidade de recorrer a mestres ocasionais, não diplomados e, em muitas regiões apenas alfabetizados. 9
A "solução": Utilizar a tecnologia existente na época para resolver ou amenizar a situação.
Todas essas análises, comparando o Brasil com outras nações desenvolvidas, levam governos e educadores laicos e religiosos a ver nas rádios uma alternativa pouco onerosa para propagar conhecimento.
Nisso é que consiste a excepcional vantagem do rádio que prolonga a milharesde pessoas a aula ministrada por um só professor. 5
Na fonte abaixo, dentre outras, verifica-se que já havia iniciativas desse trabalho em educação, não só no Brasil como na América Latina. Antes de se tornar “projeto de governo brasileiro”. No entanto, trataremos sobre isso em outro momento. O importante por enquanto é perceber que tal experiência faz parte de um movimento um pouco mais amplo.
No Brasil, a experiência da educação de base pelo rádio já está sendo feita, com resultados esplêndidos, nas arquidioceses de Natal e Aracaju e na diocese de Crato. Ao espírito observador do Sr. Presidente da república não escapou ao alcance da iniciativa, ainda antes de empossar-se, escrevia de Londres ao Ex.mo Sr. Dom José Vicente Távora : “Já conhecia a experiência piloto de Sergipe. Os planos para estendê-lo a todo o país parecem-me objetivos. Condizem, na sua estrutura, com a experiência nacional. Recomendarei aos órgãos próprios do governo o estudo sobre eles, para que incorporem suas sugestões à política oficial de alfabetização de milhões de brasileiros.7
Dom Vicente Távora era bispo de Aracaju, Sergipe e D. Eugênio Sales, o bispo auxiliar de Natal, Rio Grande do Norte que com o apoio da ação católica brasileira, criou a emissora de educação rural de Natal, para promover a educação dos trabalhadores do campo.Uma experiência muito bem sucedida, que se estendeu para várias outras cidades nordestinas. A partir da experiência de Natal, Dom Eugênio Sales foi convidado para dirigir o Secretariado da Ação Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), recebendo eficiente assessoria de Marina Bandeira, que trabalhava no Palácio São Joaquim, no Rio de Janeiro. Na CNBB, Dom Eugênio Sales articulou uma atuação sistemática das emissoras de rádio católicas, promovendo o trabalho do Movimento de Educação de Base (MEB).
Dom Távora, já então bispo de Aracaju, Sergipe, propunha a criação de um novo organismo, que se ocuparia da educação popular em toda a sua extensão. A iniciativa teve o pleno apoio do então presidente Jânio Quadros, que testemunhou pessoalmente o trabalho desenvolvido no interior de Sergipe, aderindo entusiasmado à iniciativa. 8
Há um problema a ser resolvido: a educação. O rádio, que trataremos especificamente no terceiro capítulo, agora está mais acessível, e se apresenta como a grande alternativa para a solução do analfabetismo.
Apoiarei, no que couber a execução. Utilizar o rádio para a ação educativa, como já se fez, timidamente, em algumas partes, poderá ser, no Brasil, a chave para mais rápida solução de angustioso problema nacional. 10
Com relação à acessibilidade do meio de comunicação.
Já não é tão difícil encontrar por esse interior a fora rádios transistorizados ou de bateria. Quase não existe casa comercial que não possua um receptor, mas as escolas radiofônicas não ficarão à mercê dessas possibilidades, cada uma poderá ter o seu próprio receptor a pilha. Fornecido a preço baixo, fabricado para o clima tropical e de onda cativa, de maneira a obrigar os alunos a não preferirem um programa musical, político ou esportivo, na hora da aula. 11
É interessante notar na fonte acima três coisas: primeiro que, pelo menos, no interior do Pará, o rádio ainda é um artigo de luxo. “Quase não existe casa comercial que não possua um receptor”, “já não é tão difícil. Segundo: as escolas radiofônicas não ficariam à mercê dessas possibilidades porque o governo federal bancaria a aquisição dos rádios. “414 milhões de cruzeiros que serão colocados a disposição do MEB no banco do Brasil.” (Unidos igreja e estado pela educação nacional.) A palavra. Belém. 26 março 1961. P 6. E terceiro a expressão: “de maneira a obrigar os alunos a não preferirem um programa musical, político ou esportivo na hora da aula”, demonstra o caráter que se dava à educação não levando em consideração o livre arbítrio dos alunos, desconsiderando-se a possibilidade de que o aluno tivesse consciência do valor da educação e assim optasse livremente pela educação sem a necessidade de rádios cativos, ou seja, com sintonia fixa.
Continua na próxima postagem..... O MEB(O movimento de Educação de Base), a organização e convênio do governo com a igreja católica e a eficiência do Movimento..
Fontes:
Figura 1:VAMPRE, Octávio Augusto. Raízes e evolução do rádio e da televisão: cronologia. Porto Alegre: FEPLAM-RBS, 1979. p 130.
2 CARDOSO, Clodomar.Alfabetização em 40 horas. A província do Pará. Belém. 22 de set de1963. N. 20665. p.3. 3º cad.
3 DI RICCO, Gaetana Maria Jovino. Educação de adultos: uma contribuição para seu estudo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1979. p 10.
4 FILHO, Aires da Mata Machado. Ante o analfabetismo. A palavra. Belém. 23 abr 1961. p 3.
6 Quadro sombrio da educação na América Latina e no Brasil. A província do Pará. Belém, 02 abr 1961. N.19.915. p.7
7 Episcopado dará ao país, ainda esse ano, quinze mil escolas radiofônicas. A província do Pará. Belém. 02 abr 1961. p. 8.8 CÂMARA, Dom Helder. Movimento de Educação de Base. Disponível em:<http://www.domhelder.com.br/meb.htm>. Acesso em: 02 fev,2006.
9 Episcopado dará ao país, ainda esse ano, quinze mil escolas radiofônicas. A província do Pará. 02 abr 1961. p. 8.
10 Ibid.
11 Ibid.
tabela 1 Censo demográfico de 1940, 1950, 1970 in DI RICCO, Gaetana Maria Jovino. Educação de adultos; uma contribuição para o seu estudo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1979. p 10.
SIQUEIRA, Eric Ulisses A. O Rádio Ensina: Pela Educação de base a igreja e o governo dão-se as mãos.Ufpa.2006.
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